domingo, 1 de janeiro de 2012

A baixa poupança doméstica e os problemas da indústria

A falta de poupança cria um modelo que favorece serviços, e a competitividade do setor de commodities estimula os bens primários. Com isso, a indústria perde espaço

SAMUEL , PESSOA, É ECONOMISTA, SÓCIO DA, CONSULTORIA TENDÊNCIAS
Matéria publicada no site do jornal O Estado de S.Paulo 

A economia brasileira caracteriza-se por baixas taxas de poupança. A maior consequência desse fenômeno é a dificuldade em financiar o investimento e, portanto, o crescimento econômico. É sempre possível elevar o investimento lançando mão da poupança externa. No entanto, esta opção leva à valorização do câmbio e à perda de participação da indústria na produção. 

Mas por que motivo existe essa vinculação entre desempenho da indústria e taxa de poupança? Uma economia que poupa pouco é uma economia com elevadas taxas de consumo. A demanda por consumo é mais concentrada em serviços do que em bens. As pessoas podem ir todos os dias ao restaurante, mas não compram aparelhos de TV diariamente. 

A forte relação entre consumo e demanda por serviços é a ainda mais verdadeira para sociedades nas quais o padrão de consumo se aproxima do nível de classe média, como é crescentemente o caso brasileiro. O padrão de demanda do Brasil, portanto, é muito concentrado em serviços. 

Adicionalmente, como o País poupa pouco, é necessário absorver poupança externa para financiar o excesso de investimento sobre a poupança doméstica. A absorção de poupança externa ocorre quando a sociedade absorve - quer seja na forma de consumo ou na forma de investimento - mais bens e serviços do que produz. Isto é, a poupança externa, no conceito macroeconômico, representa o ingresso no país de algum bem ou serviço produzido externamente. 

Por exemplo, se a Petrobrás tomar emprestado dólares, mas não gastá-los comprando bens e serviços externos terá de trocar essas divisas por reais - para adquirir bens e serviços domesticamente - e o Banco Central acumulará divisas. Neste caso, não houve ingresso de poupança externa. 

Tipicamente, tudo que é produzido pode ser classificado como bem primário, bem manufaturado ou serviço. Dado que os serviços são não comercializáveis internacionalmente e que o Brasil tem enormes vantagens de custos na produção de bens primários, a absorção de poupança externa pode ocorrer na forma de bens manufaturados ou na forma de bens primários. 

Devido à grande vantagem comparativa que o Brasil tem na produção de bens primários, o País tem de absorver poupança externa na forma de bens manufaturados, o que dificulta o desenvolvimento da indústria. 

É importante entender como funciona o mecanismo de redução da participação da indústria na produção. O setor público estimula a demanda da economia. Seja por meio de elevações reais dos benefícios do programa Bolsa-Família e do salário mínimo (e, portanto, de todos os benefícios previdenciários e programas sociais a ele vinculados), ou de elevações reais dos salários dos funcionários públicos ativos e inativos. 

Ou ainda por meio da elevação dos recursos que o BNDES tem disponível para emprestar a taxas de juros subsidiadas. Independente de mais ou menos meritórias, todas essas ações elevam a demanda. 

A maior demanda por serviços enseja um processo de alta dos preços para que, em seguida, a oferta se eleve. Esse processo tem sido observado nos últimos anos. O mesmo não ocorre, porém, com os bens manufaturados. Neste caso, a expansão da demanda é atendida principalmente pela importação dos bens manufaturados. A solução, no entanto, certamente não é a de fechar ainda mais a economia. O cerceamento ainda maior às importações teria como resultado mais inflação: além de os preços dos serviços subirem, haveria alta também dos preços dos bens manufaturados. O Banco Central teria de subir ainda mais os juros para esfriar o crescimento da economia. 

A tragédia para a indústria é a assimetria entre os serviços e os bens manufaturados. Estes últimos são transacionáveis internacionalmente, ao contrário dos serviços. O problema é que é possível colocar um carro em um navio e transportá-lo. O mesmo, em geral, não ocorre com os serviços. (se ocorresse, o Brasil exportaria carros para a Coreia e esta exportaria, provavelmente, serviços educacionais para o Brasil, nos quais eles são muito superiores a nós.). Portanto, é difícil imaginar que uma economia de baixa poupança e que tenha fortes vantagens comparativas na produção de bens primários - em um momento em que boa parte da humanidade demanda esses produtos básicos - crescerá com expansão da participação da indústria manufatureira no produto. Ocorrerá provavelmente o oposto: uma lenta, mas contínua, queda da participação das manufaturas no produto. 

Uma questão adicional é se há espaço para o Brasil elevar a poupança. A poupança das famílias brasileiras corresponde a 5% do PIB. Na China, atinge 22%. A diferença deve-se ao fato de o Brasil ter um estado de bem-estar social muito mais generoso do que o chinês. A menos que ocorra forte mudança no equilíbrio político que vigora desde a redemocratização - que levou à construção desse estado de bem estar social muito abrangente -, não há espaço para a elevação da poupança das famílias. 

A poupança das empresas, por sua vez, que no Brasil se encontra na casa dos 15% do PIB (na China é de 22%), somente eleva-se se houver redução dos salários ou elevação dos preços dos bens finais produzidos pelas empresas. Ambos, preços e salários, são definidos no mercado. A menos que haja profunda alteração da regulação dos mercados - incluindo alteração nos direitos de organização sindical, entre inúmeros outros - não parece haver espaço para crescimento muito acentuado dos lucros das empresas. 

Finalmente, a ampliação da poupança do setor público, que no Brasil é negativa em 3% do PIB (na China é positiva em 5%), requer redução do gasto público - quer seja na forma de salários de servidores (ativos e inativos), dos programas sociais ou dos juros. Com a recente queda da taxa Selic, há espaço para alguma elevação da poupança pública. 

Nos outros itens do Orçamento, não parece haver muito espaço. Mesmo os juros devem voltar a se elevar em algum momento no primeiro semestre de 2013, em função da provável aceleração da inflação. Outra possibilidade de elevação da poupança pública é por meio de aumentos da carga tributária. Mas parece que a sociedade tem rejeitado novas rodadas de aumento de tributos. 

Tudo indica, portanto, que a baixa poupança veio para ficar. O Brasil terá de conviver com ela. Enquanto perdurar o choque positivo das commodities - que deve ser longo, pois ainda há grandes contingentes populacionais na Ásia a ser incorporados aos mercados -, a indústria brasileira deve apresentar problemas de desempenho. Com baixa poupança, o investimento nunca será muito elevado. 
A agenda do crescimento econômico passa, portanto, pela melhora da produtividade e da qualidade da educação - condições essenciais para que o país tenha um setor de serviços de alta produtividade, como ocorre, por exemplo, com a economia americana.

Confira as últimas postagens
Cobrar dívidas ruins se torna bom negócio no Brasil
Vendas de micro e pequenas empresas para União crescem 44,5%
Acordo entre Japão e China amplia papel do yuan no comércio
Rede virtual que simplificará abertura e fechamento de empresas...
Toyota deve perder a coroa de maior montadora do mundo
Só sobreviverá a pequena empresa que souber reter talentos
Turistas brasileiros batem recorde de compras nos EUA
Brasil é prioridade para o Santander, diz presidente
‘FT’: Com Bolsa Verde, Rio pode virar polo financeiro alternativo
BID lança linha de crédito para bancos que desejam expandir empréstimos a setores de alto...
Município baiano apresenta o maior PIB per capita do país em 2009
Itaú espera ter licença para atuar na Colômbia em junho de 2012

Tags: poupança-investimento, economia-brasileira, crescimento-Brasil, exportações-importações, indústria-desafios, baixo-nível-investimento

Nenhum comentário:

Postar um comentário